terça-feira, 12 de abril de 2016

Socialização da política e suas ambivalências.


Sim. Vivemos mais um momento de socialização da política, de politização da sociedade e generalização de debates públicos. Essa socialização, contudo, é permeada de contradições e ambivalências tanto quanto de experimentações, incertezas e apostas de alto risco. Isto é, no curto prazo não necessariamente pode ocorrer uma requalificação ou reinvenção da políticas em novos termos ou com novos atores no sentido positivo de socialização da politica com radicalização democrática e equacionamentos de problemas econômicos e sociais pela via política. Ao contrário, devido uma politização mais à direita, de coloração conservadora a esfera da política se amplia mas de maneira contraditória e perigosa, podendo anular a própria natureza positiva da politica, caracterizada por equacionar conflitos pelo firmamento de regras e  pela administração de interesses divergentes tendo em vista uma convivência que não  se deteriore via confrontos, mas se revigore via diálogo construtivo (marcado positivamente pelo dissenso )

Em síntese, maior politização no sentido de democratização do debate público não significa necessariamente uma socialização qualificada da política ou maior democratização da sociedade. A maior democratização da sociedade passa inelutavelmente pela democratização das estruturas de poder, pela demolição dos processos de dominação  política e expropriação econômica. A atual dinâmica anti-política e seu fortalecimento de ideais e programas conservadores, tendem -  se não contrapostos- a  converter a força das ruas não em poder institucionalizado que socialize o poder, mas ao contrário, cria espaço, crédito e legitimidade para forças e dinâmicas arbitrárias, seletivas e excludentes  que se apropriam e  capturam  o poder constituído para produção de um Estado de Exceção e uma democracia de baixíssima intensidade

 Como diria Bessa, “nem tudo que reluz é moro”. A boa intenção em destituir uma presidente crendo piamente que se vá equacionar a crise instalada , de um lado,  e de outro, a defesa intransigente de um Brasil e uma nação para além das bandeiras e classes e na suposta defesa do “interesse de todos” , podem colocar  - oferecendo legitimidade e sentimento popular -em marcha atos, procedimentos e dinâmicas jurídicas, políticas, econômicas e sociais nada democráticas no médio prazo.

A pluralidade de vozes das ruas e sua potencia em termos de socialização da política, repito, pode servir ao que Carlos Nelson Coutinho denominou de “apropriação não social dos mecanismos de governo da sociedade”,  significando a neutralização das políticas transformadoras que as ruas podem produzir, implicando não no “predomínio da vontade geral, do interesse público” expresso em políticas que se orientam pela justiça social e eliminação das desigualdades, mas sim instalando um “óbice à plena afirmação da democracia”, ao combate às desigualdades, a democracia econômica e a socialização do poder.

A “pluralidade” das ruas pode em breve conduzir a uma unidade política conservadora que aproveita-se da conjuntura para controlar os aparelhos estatais, eleger “salvadores” e sob pretexto de “manter a  ordem” e conseguir com urgência do crescimento econômico, intensificará o ajuste fiscal (austericídio ), a repressão das diversidades, bem como a criminalização dos movimentos sociais e destruição ecológica etc..



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domingo, 13 de dezembro de 2015

Ainda sobre as "luzes": Criminalização e Ambientalização da questão social em Manaus.


"Cidade das Luzes"
     
 Estou longe aqui de desconsiderar a existência ou os desafios que o crime organizado e o crime ambiental representam para cidade de Manaus. Mas optar por apresentar apenas uma face ou cor de nossa realidade é um crime contra a nossa inteligência e uma violência simbólica que visa apresentar/supervalorizar representações e interesses específicos como sendo interesses gerais, representação da maioria do povo amazonense.

Nesse sentido, as matérias locais sobre as “invasões” são complementadas e potencializadas pelo poder constituído através da narrativa do Prefeito Arthur Neto sobre a “cidade das luzes”, segundo ele um caso "Imperdoável, um hediondo crime ambiental". Mídia local e Governo Municipal em uma só nota, em uma só representação.

Primeiro a Mídia Local.

      Acompanhando as matérias de jornais locais que saíram de um ano para cá nos veículos de comunicação hegemônicos evidencia-se a precariedade/seletividade do ato de “informar” e formar a “opinião pública”. Definitivamente a ampla maioria dos artigos defende intransigentemente a propriedade privada – sem se perguntar se foi adquirida legitimamente, como algumas famílias são proprietárias de metade da cidade, se é produtiva etc... -, trata indistintamente todas as ocupações como invasões, criminaliza sem titubear os movimentos sociais que luta por moradia, enfatiza unilateralmente a dimensão da violência e do crime organizado supostamente males de um local específico que é preciso combater e, além disso enfocam e sensibilizam0-nos com ares de “consciência ecológica” os danos e crimes ambientais cometidos por tais invasões contra o patrimônio natural, público ou privado. Eis alguns títulos  e argumentos de tais artigos.

 “Líder de invasões em Manaus conta em entrevista que lucra até R$ 100 mil por ocupação”
 “Invasões avançam devastação em áreas verdes do Amazonas”
“Cerca de 25 famílias invadem área verde no conjunto Cidadão 2, na Zona Norte de Manaus”
 “Cerca de 200 famílias invadem terreno particular em ramal”
 “Invasão Cidade das Luzes se expande e continua destruindo o meio ambiente”
“Expansão urbana sem áreas verdes pode aumentar índices de temperatura, diz pesquisa”

Trechos dos artigos

"O grupo queimou colchões, madeiras e um veículo na tentativa de evitar a ação da polícia e da justiça."

"Parte da área verde, antes intacta e que deveria ser preservada, já foi destruída pelos invasores."

“Um dos problemas que faz aumentar o número de doenças,"

"A busca do homem por um lugar para morar é uma necessidade primária, porém, o ato para suprir isso pode gerar grandes impactos negativos para a natureza, caso feito desordenadamente"


Tomemos o último trecho. Será que a busca por moradia é tão terrívei quanto a ação realizada ilegalmente pelas madeireiras, pela produção de pasto, produção de monoculturas?

      Em um das matéria privilegia-se quem lucra com os negócios, lotes são vendidos aos milhares entre 2 a 5 mil reais, mas estão longe de perguntar qual a razão de tamanha demanda. O foco mesmo é no "invasor", em pessoas que lucram com o processo, no impacto ambiental causado, no desmatamento, na poluição hídrica, nos grupos criminosos.

      A palavra " invasão" é a tônica dos artigos, defesa intransigente da sagrada propriedade privada, até “entendem” que famílias precisam de moradia mas precisam "procurar os meios legais junto ao Estado", os mesmos meios legais que não usados para garantir moradia para as pessoas. Chegam ao absurdo de associar de maneira perversa “invasão” ao aumento da temperatura na cidade de Manaus.

      Em suma, focam apenas em um aspecto superficial da questão, invisibilizam o verdadeiro problema e focam apenas na "indústria da invasão" e “impacto ambiental”.

      Como se percebe explicitamente, nesses enfoques parte da realidade fica de fora, não apreendida, ou melhor apreendida seletivamente, longe de problematizar outras face do fenômeno ou se ater minimamente às suas raízes históricas vinculadas a dominação política, a expropriação econômica e às ideias dominantes que naturalizam e invisibilizam problemas e contradições.


Narrativa do Arthur Neto

      Para Arthur, que comentou sobre a “necessária” “reintegração de posse” realizada na “Cidade das Luzes” as linhas de interpretação confirmam e complementam aquela que é produzida pela mídia local.
Arthur Neto, que captou intencionalidade nos 60 hectares da cidade das luzes, argumentou que a área estava "destinada" "pela natureza" “à vida de animais, à pujança das árvores, à perspectiva do turismo gerador de receitas e divisas para o estado e para o país”.

       Não que devamos esquecer ou minimizar os problemas ambientais da cidade de Manaus, mas toma-los como prioridade absoluta à revelia das desgraçadas vidas humanas. Seu discurso se alia a um enfoque maniqueísta de “proteção da Amazônia” e “apologia da floresta” a despeito do “holocausto” social que isso produza, aspectos há muito analisados por Samuel Benchimol ao analisar a “Amazônia interior”. A única diferença é que o ambientalismo anti-humanismo chegou com força no contexto urbano, “ambientalizando” a questão social de modo arbitrário, seletivo e preconceituoso. Enquanto isso, pode-se mercantilizar, capitalizar e lucrar em cima da natureza sem nenhum problema, o que não pode é ceder terra pra “vagabundo”, ai é “vandalismo”!

      Em seu comentário Crime ambiental, tráfico de drogas e pobreza se imbricam para a boa consciência daqueles que dividem o mundo de maneira maniqueísta entre policiais e bandidos, mocinho e ladrão, crente e delinquente, preto e branco. Como se o Estado não estivesse envolvido em crimes ambientais, como se alguns  policiais não fossem mais perigosos que muitos ladrões, como se os ricos fossem éticos e conquistassem seus patrimônios honesta e meritocraticamente.

      Como em todo discurso iluminista pobreza e os subalternos aparecem como "ludibriados", "usados", tamanha seria sua incapacidade e ignorância, destituído do "mérito" de conquista honrada da propriedade privada e consciência ecológica indispensável para frear seus impulsos diante de "crime ambientais". Só faltou dizer que os “invasores” eram eleitores do PT, afinal, estes “não sabem votar” não é? Saber votar seria privilégio das classes médias esclarecidas nessa perspectiva.

Por fim, vale registrar que o nobre Prefeito afirma que a maioria dos “moradores” eram especuladores de terras. Baseado em que informações, em que pesquisa o Sr. Arthur baseia sua afirmação? Imaginem 2 mil famílias, e a “maioria” estava “especulando terras”, claro! Sem-teto tornou-se especulador de terras!

Namoro dos poderes

A narrativa do Sr. Arthur, tal como a formação da "opinião pública" pelos jornais hegemônicos locais, apanha a questão social apenas em suas aparências, ocultando suas raízes político-econômicas e afirmando ideologicamente uma explicação superficial que esconde interesses, criminaliza a pobre politica-econômica e ambientalmente, e invisibiliza demandas, direitos e necessidades reais formalmente asseguradas na constituição.


O sr. Prefeito termina seu texto conclamando a “sociedade” para uma missão ecológica da maior relevância, uma verdadeira “tarefa de solidariedade e amor": a construção de uma tábula rasa sobre o que representou a cidade das luzes para além da visão mesquinha, distorcida e unilateral da mídia hegemônica e dos poderes constituídos. O reflorestamento da área não será a redenção de nossos graves problemas sociais! E não, o prefeito não age "com verdade e boa fé para com Manaus”, de que Manaus se está falando, da que está confortável em seus lares em bairros nobres? da que não depende de transporte público para se locomover? da que não precisa ser atendida pelos SUS? Da Manaus que naturaliza os problemas sociais e culpa os “de baixo” por sua pobreza, ignorância e incompetência como se não tivesse nada a haver com as desigualdades sociais?

Manaus: Cidade das sombras

Para registro.
Ontem, dia internacional dos direitos humanos, homenagem na "casa do povo" ao Dep.Bolsonaro, hoje reintegração de posse na "cidade das luzes" que tinha para mais de 2000 famílias, amanhã não sei qual será o próximo golpe, mas certamente será contra a Democracia, contra as minorias, contra os ameríndios, contra os pobres e pretos. Homenagea-se quem não prestou "relevantes serviços a sociedade" impedindo a população de entrar na Assembléia Legislativa.
Usa-se a "Justiça" para violentar/expropriar quem até recentemente tinha alguma "luz" de ter casa própria, centenas de famílias que perderam investimentos e dignidades naquele espaço de esperança..
Mas seja na ALE, seja na "Cidade das Luzes", agora cidade das cinzas, prevalece apenas a seletividade da representação, violência e justiça.A criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e das ocupações segue inexorável, enquanto isso o poder constituído segue impune, arbitrário e arrogante na defesa intransigente da propriedade privada e dos privilégios de uma oligarquia política e financeira. Entrar ou ocupar seus símbolos é um atentado a visão iluminista e a " meritocracia" que orientam desgraçadamente suas condutas. Nos golpeiam de dia e de noite, a qualquer hora e lugar, dão risadas e xingam nossas demandas, interesses e necessidades. Tentam calar nossas vozes e inviabilizar nossos direitos. Mas em vão!
Onde há repressão, há resistência. Nossas vozes ecoaram ainda que seja embaixo de escombros.Nossos direitos serão conquistados e defendidos sem celular cessar. Ninguém terá sono tranquilo. Nossa dignidade e nosso reconhecimento se firmaram através de nossas lutas e resistências mediante a composição diversa das forças, movimentos e desejos que ousam enfrentar "desde baixo" o poder constituído, sua "legalidade" e seus regimes de verdade que aumentam defensores em tempos de Crise. Vamos disputar a crise, seus sentidos, rumos e interpretações. A Cidade de Manaus em breve terá não apenas "uma casa do povo" ou uma "cidade das luzes", construiremos uma cidade da multidão" e uma " região das luzes" .
Breve nota escrita no 540, após passar por uma padaria e ver imagens da reintegração de posse na cidade das luzes. Indignação e tristeza, tenho certeza que a maioria daquelas famílias precisavam de um chão para viverem com um pouco mais de dignidade.

Nota de Repúdio à homenagem ao Dep. Jair Bolsonaro

Para Registro.
Vivemos tempos difíceis, marcados por diversas crises, a exemplo da crise do sistema político e da crise econômica que prejudicam amplamente a população. Neste cenário sombrio de incerteza econômica e insegurança social surge espaço para ideias e forças conservadoras crescerem politicamente junto a população e implantarem uma agenda conservadora extremamente prejudicial ao meio ambiente, à democracia, às minorias, aos direitos e a dignidade humana de maneira geral.
Os princípios que orientam a conduta do Dep.Jair Bolsonaro (PP) representam exatamente essa agenda, constituindo-se como seU principal porta-voz, o que pode ser constatado em inúmeras polêmicas que o homenageado tem se envolvido, que expressam nitidamente seu compromisso com ideias preconceituosos (Machismo, Racismo, Homofobia), seu perfil autoritário (apologia à violência seletiva e ao retorno do regime militar) e seu engajamento antiecológico (foi processado por crime ambiental). Esses são seus "princípios", seus valores, os méritos para uma "justa" homenagem.
Perguntamos quais os "relevantes serviços vinculados ao cumprimento do interesse público para o Estado do Amazonas” que obrigam a ALE a conceder essa homenagem? Platiny Soares (PV) - que deveria está cuidando da segurança pública local – argumenta com convicção que a homenagem se assenta no reconhecimento do trabalho de Bolsonaro ao combater do "crime organizado".
Acreditamos que o deputado não tem o "direito a prestar homenagem a quem ele quiser", como sugerem representantes do PSD E PSDB na CMM. A Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, ao conceder essa homenagem por sugestão do Dep.Platiny Soares golpeia vergonhosamente, de um lado, a sociedade Manauara em sua ampla maioria, pois esta desconhece "os trabalhos de relevância" que o dep.homenageado tenha feito em seu benefício e , de outro, golpeia as lutas e resistências de partidos e movimentos sociais que lutam sistematicamente pela consolidação da democracia no Brasil, que militam cem cessar contra as intolerâncias e preconceitos contra as mulheres.
A homenagem sim, esta é um crime contra o dia internacional dos direitos humanos (10.12) tanto quanto aos sentimentos e a inteligência do povo amazonense!
Alex Regis - UP Amazonas
Frases do "Nobre" Jair Bolsonaro
“O erro da ditadura foi torturar e não matar.” (Jair Bolsonaro, em discussão com manifestantes);
"Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.” (Jair Bolsonaro em entrevista sobre homossexualidade na revista Playboy);
“Não te estupro porque você não merece.” (Jair Messias Bolsonaro, para a deputada federal Maria do Rosário);
“Não vou combater nem discriminar, mas, se eu ver dois homens se beijando na rua, vou bater.” (afirmação de Jair Bolsonaro após caçoar de FHC sobre este segurar uma bandeira com as cores do arco-íris);
“Você é uma idiota. Você é uma analfabeta. Está censurada!”. (Declaração irritada de Jair Bolsonaro ao ser entrevistado pela repórter Manuela Borges, da Rede TV. A jornalista decidiu processar o deputado após os ataques);
“Parlamentar não deve andar de ônibus”. (Declaração publicada pelo jornal O Dia em 2013);
“Mulher deve ganhar salário menor porque engravida” (Bolsonaro justificou a frase: “quando ela voltar [da licença-maternidade], vai ter mais um mês de férias, ou seja, trabalhou cinco meses em um ano”);
“Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados” (Bolsonaro para Preta Gil, sobre o que faria se seus filhos se relacionassem com uma mulher negra ou com homossexuais);

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O Brasil não é um ilha: A cegueira da mídia e os limites do "nacionalismo metodológico"



     Tenho comentado sistematicamente em minhas intervenções públicas esse fato: O Brasil não é uma ilha. O tratam como um abstração diante do mundo, distante, isolado, quase um planeta marciano.

        Não se trata de, nesse breve comentário, evidenciar como diversas crises se articulam e potencializam-se em diferentes esferas e escalas (local, regional, nacional, mundial) mas de registrar que essa cegueira cognitiva reproduzida e ampliada cotidianamente pela Mídia hegemônica produz uma visão mesquinha do Brasil e dos Brasileiros; gera uma representação extremamente simplificada, polarizada e moralista da política nacional, reduzindo-a basicamente a um mar de lama e podridão que a tudo abarca e compromete, não sobra nada, a política em todas suas esferas e escalas é considerada corrupta, inútil e como elemento a ser eliminado como um tumor maligno.

    Simplesmente não percebem um mundo inteiro em crise, uma Europa em desintegração, o fim da relação amorosa entre democracia e capitalismo no globo, o colapso do modelo de desenvolvimento Estadunidense, a China em desaceleração econômica, enfim a crise do capitalismo enquanto modo de produção e civilização. Faz-se necessário relativizar o nacionalismo metodológico e suas explicações dos problemas nacionais. Nossa situação não é certamente resultado mecânico de um imperialismo, mas tampouco produto endógeno sem articulação com as teias político-econômicas de um mundo cada vez mais multipolarizado e em intenso processo de globalização (em suas dimensões de homogeneização e fragmentação).

    O fato é que estamos longe de ter o "privilégio" de estar em envoltos em múltiplas crises, de natureza econômica, financeira, política, ecológica produzidas unicamente em solo nacional. Longe de defender o governo ou a "política que está ai", trata-se de reconhecer a complexidade da conjuntura, discutirmos medidas menos medíocres para superação de nossos problemas a partir de um novo patamar do fazer/debater político.

    Mas eu me pergunto caros colegas, a quem interessa anular absolutamente o sentido da Grande Política à pequena política? A quem interessa transformar o espaço político em um deserto? A quem interessa anular a potencialidade política da multidão? A quem interesa reduzir a pó as instituições políticas? Quem irá ocupar esse espaço? Na política não existe espaço vazio e certamente o espaço já está sendo ocupado e não há indicios de que os "novos" sujeitos, grupos e instituições que passam a ocupá-lo vão reinveitar a política desde baixo, com um agenda progressista e democrática. Ideias e práticas conservadoras em momentos de crise ganham terreno para serem agenciadas pela renovação da pequena política travestida de "interessa nacional". 

    É necessário participar da batalha das ideias, fugir às polarizações políticas e mostrar sua complexidade, desmistificar meias-verdades, anular os moralismos e reconhecer as emergências em termos de movimentos, práticas e ideias alternativas que precisam urgentemente ganhar terreno no debate publico, sem esquecermos e invisibilizarmos movimentos e pautas tradicionais que continuam extremamentes importantes. Nada nasce do vazio. É indispensável articular o melhor tradição e reinventá-la dialeticamente a partir das inovações teóricas e práticas produzidas pelo momento histórco em que vivemos. 

    Dai que não podemos nos intimidar, recusar debate, nos afastar das ruas e das redes. Temos que disputar o sentido da liberdade, justiça e democracia a partir das implicações que representam as pautas - novas e tradicionais - como Reforma Agrária, Reforma Política, Reforma Urbana, Reforma Urbana e Garantia e afirmação dos direitos das minorias, subalternos, vítimas de violência, estigmas e preconceitos. 

    São agendas que longe de se excluirem se complementam reciprocamente no sentido de garantir ampliar e as liberdades coletivas e individuais em um contexto de reconhecimento social, étnico e de gênero, de distribuição justa de bens e riquezas socialmente produzidas, considerando a inclusao produtiva e democrática da população em um modelo de desenvolvimento em bases sustentáveis, que nao seja subordinado aos ditame do crescimento/consumo infinito e reconheça os limites ecológicos (dimensão biofísica) para garantir de fato desenvolvimento sustentável. 

O debate público em torno dessas pautas deveriam representam o conteúdo para renovação/construção da Política com P maíusculo. Construida sim a partir dos conflitos e das diferenças, mas sem ser reduzida ao período eleitoral, a conluios de gabinete, a disputa por cargos, ministérios e quinhões do poder. Seu horizonte seria a produção do Comum, entendido como a gestão/distribuição democrática dos recursos, bens, espaços e riquezas materiais e simbólica socialmente produzidas. Esse debate - vital para nosssa democracia - tem sido privilegiado na Mídia hegemônica meus caros?

terça-feira, 29 de setembro de 2015

A luta de Classes Contemporânea: Notas sobre uma entrevista "policamente incorreta"




Para quem quer conhecer a luta de classes contemporânea!

O que podemos extrair dessa breve entrevista?

Em primeiro lugar, que tal luta  não tem a haver com "sangue",  mas "tem haver com os recursos postos para os 1%", tem haver afinal de contas, com uma 'luta de classes silenciosa", de "classes que monopolizam o acesso a bens escassos na sociedade  e condena outras classes a reprodução da miséria", uma luta que produz gente virtuosa, de um lado, e subgente humilhada e sem reconhecimento, por outro.

 Trata-se da produção e reprodução simultânea, posto que articuladas, da inclusão e da exclusão, da cidadania e da subcidadania, da riqueza e da pobreza, dos 1% e dos 99%.

 Classes sociais não são entidades abstratas que se reproduzem isolamente uma das outras, como certa filosofia liberal quer fazer crer, como se individuos e grupos sociais ascendessem socialmente somente "pelo empreendedorismo e esforço individual" (discurso meritocrático).

Ora, classes sociais, se constróem cotidianamente por relações sociais envolvendo todos os grupos e coletividades; se tornam carne e osso mediante relações de exploração econômica e dominação política que são invisibilizadas pelo débil e falso debate político que ocorre em nossa esfera pública.

Ora, a luta de classes  começa desde o nascimento (reprodução) geracional das classes sociais que tendencialmente possuem origem, reprodução e futuro comum. É uma luta diferencial e diferenciadora, posto que desigual desde a origem, pelos bens, recursos e riquezas socialmente produzidos em sociedade. Luta de Classes é acesso diferencial das classes a uma educação de qualidade, ao atendimento de saúde decente, ao "rancho" familiar mensal, a bens de lazer e entrenimento, a um casa confortável, ao tempo livre, ao reconhecimento social.

 A luta de classes acontece aqui e agora, somos parte dela e cabe a cada de um de nós lutar contra ou a favor das estruturas de privilégio que fundamentam uma sociedade injusta e desigual.

Daí que a superação dos privilégios corresponde a superação da sociedade de classes tal como conhecemos hoje, baseda na exploração econômica, dominação política com seus efeitos deletérios em termos de desigualdade, pobreza, humilhação,opressão, preconceitos e estigmas de várias ordens,

 A superação dos privilégios, corresponde igualmente, a tão falada "igualdade de oportunidades", uma ilusão propolada por liberais de diferentes matizes. Dai que o fim da luta de classes (no sentido aqui colocado) anda de mãos dadas com todos os mecanismos, reformas, práticas, discursos e movimentos sociais que buscam a justiça e a liberdade substântiva expressas na conquista de direitos, riquezas e reconhecimentos que tornam mais efetiva a "igualdade de oportunidade"e, por tabela, a luta contra reproduçao dos privilégios.

 Tudo está conectado, em interdependência e a distribuição/redistribuição dos capitais (cultural, econômico, político, de reconhecimento) tanto quanto  a transformação da quantidade (indivíduos considerados em números) em qualidade (individuos vistos como sujeitos e como classe) passa inelutavelmente pela desnaturalização das desigualdades (tematizando sua origem e reprodução) e  radicalização das lutas, resistências e mobilizações que atacam seus fundamentos.

Sim! tal desnaturalização e radicalização é um momento decisivo na busca do Socialismo, que nada mais é o resultado desses dois processos, daí que essa palavrinha é tão descredibilizada por setores e classes conservadoras da sociedade brasileira, afinal, valorizá-la significa atacar sistematicamente seu privilégio de ter privilégios, afinal, não se trata de socializar a pobreza como muitos falsamente propagam.Trata-se, em última análise, de socializar a riqueza, de redistribuir os privilégios, democrátizá-lo.

Muitos, inclusive liberais e neoliberais, buscam o socialismo mas não o sabem, pois desconhecem a natureza do modo de produção  em que vivemos, não percebem seus fundamentos e buscam reparar seus males com remédios que em geral aprofundam o mal-estar da civilização. Falta-lhes uma conversão de olhar, um deslocamento de perspectiva, uma troca de ponto de vistas, espero que essa entrevista seja a antessala para o reconhecimento dos verdadeiros problemas brasileiros: as desigualdades, sua origem, reprodução, efeitos e os discursos/ideias/teorias que a naturalizam/invisiblizam como "normal", quando em verdade é patológica nos termos em que se apresenta.

sábado, 4 de julho de 2015

"Quem nos salvará dos salvadores?": Da Grécia ao Brasil

"Quem nos salvará dos salvadores?" perguntava Alan Badiou há alguns anos quando a Troika (formada por Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário internacional) sob o argumento de equacionar o problema da crise grega desferia um golpe a soberania e um assalto ao povo grego - via planos de austeridade -  tendo em vista salvar os bancos privados.

Nesta entrevista breve, mas esclarecedora, Maria Lucia Fattorelli apresenta alguns resultados da auditoria da dívida grega, registrando a ilegalidade e ilegitimidade de uma dívida que ampliou significativamente os problemas econômicos, sociais e políticos da Grécia.

 Aponta com muita objetividade que o pagamento da dívida grega, especialmente a partir de 2010, tem sido um instrumento de saque e drenagem de recursos públicos para salvamento dos bancos privados. 

A Grécia estava ajudando os bancos com os planos de austeridade! Pagamento este que rendeu uma grade recessão ao país; sua economia reduziu 30%, salário dos aposentados diminuiu em 50%, 60% estão desempregados, o número de pobres e suicídios se ampliou consideravelmente.

O FMI, assim como o fez na década de 80 na América Latina, saiu desesperadamente em "socorro" aos países que teriam "gastado demais". Basicamente um socorro aos bancos privados e aos conluios destes com corporações, grupos empresariais e políticos que se beneficiam com suas operações financeiras. 

Sob o discurso da "ajuda", por um lado, e da culpabilização dos países ( "A grécia é culpada de sua situação") nações se ajoelham de maneira ilegítima sob o império da exploração financeira. Golpes financeiros rondam o mundo! E o Brasil não apenas esta na rota do saque como suas "autoridades" políticas e econômicas apresentam uma crença inflexível no remédio adotado:os planos de austeridade ou ajustes fiscais.

 O plano de austeridade que aprofunda as desigualdades e contradições, drena recursos financeiros para uma elite rentista e não toca nos privilégios dos super-ricos e milionários, simplesmente aparece como única opção possível. O fatalismo e a resignação são eficazmente inventados por "especialistas" da economia que tem suas vozes amplamente legitimadas e reproduzidas pela mídia hegemônica, o "príncipe eletrônico" da modernidade-mundo segundo Ianni.


A tendência é a situação brasileira se agravar, pois em nome da governabilidade o governo anula suas próprias condições de governar e rende-se as forças conservadoras - algumas reacionárias e fascistas - que dominam o congresso nacional e aproveitam a conjuntura crítica para apresentar e aprovar pautas extramente importantes para uma rentabilidade eleitoreira, mas de fato desprezível para o equacionamento dos graves e históricos problemas da maioria das classes subalternas.

A saída da crise em que vivemos certamente não é simples ou evidente, mas não tenho dúvida que passa pela radicalização dos movimentos sociais e pela defesa de reformas incontornáveis ( Reforma Tributária, Reforma Agrária, Reforma política acrescida da Auditoria da dívida e da reforma urbana) que parte significativa da esquerda deixou de lado para lutar basicamente em nome da democracia (burguesa) e seu Estado democrático de direito, deixando o Socialismo órfão de sujeitos que operassem sua práxis histórica.